• Especialistas em direito defendem auscultação dos operadores na criação de regulamentação e normas e até «autorregulação regulada» como nos setores da energia e telecomunicações;
  • Digital Services Act é ferramenta de combate ao jogo ilegal com origem internacional, e jogar em plataformas ilegais, punível por lei.

 

Lisboa, 20 de novembro 2024 – A reserva ao estado da exploração de jogos e apostas online, a auscultação e participação dos operadores na criação da regulamentação, a aplicação da lei a nível internacional e a necessidade de criar disciplinas sobre direito do jogo foram algumas das notas em destaque da conferência “Direito do Jogo Online em Portugal – Enquadramento e Desafios”, organizado pela Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), em cooperação com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e o Instituto de Investigação Interdisciplinar (IURIS).

A conferência, refere Ricardo Domingues, presidente da APAJO, «pretendeu ser um convite à comunidade académica do direito para a abordagem ao jogo online, alargando a discussão e sem intervenções institucionais. Acreditamos que teve um caráter pioneiro no enquadramento académico do direito do jogo e abre caminhos para um debate multidisciplinar, no futuro, sobre o setor, com a participação dos reguladores, de outras disciplinas científicas e da sociedade civil.»

Olhando para o futuro da regulação num setor dinâmico deve «caminhar-se para uma autorregulação regulada», defendeu Francisco Paes Marques, professor e investigador na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. A complexidade técnica e a constante evolução tecnológica, à semelhança de outros setores regulados como a energia ou as telecomunicações, implica que os operadores possam efetivamente participar nos procedimentos normativos, justificando-se o reconhecimento de uma «discricionariedade técnica», com as orientações e instruções «a serem da autoria dos regulados, desde que aprovadas pelos reguladores», explicou. Outras vantagens desta abordagem que foram citadas são o recurso ao know-how dos operadores e a adesão posterior dos mesmos. Propôs-se ainda a definição de meios alternativos de resolução de conflitos entre todas as partes envolvidas no setor, através de conciliação, mediação e arbitragem.

No que toca ao combate ao jogo ilegal, foi discutido o enquadramento de algumas práticas relacionadas com operadores não licenciados ao conceito de cibercrime e suas implicações. Na sua intervenção, David Silva Ramalho destacou os desafios práticos e jurídicos na responsabilização dos operadores não licenciados que disponibilizem a prática do jogo online a partir de outras jurisdições, bem como o facto de a realização de publicidade remunerada a estas plataformas, incluindo a partir de território nacional, constituir crime, quando orientada à angariação de novos jogadores. O advogado da Morais Leitão e docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa sublinhou ainda, na perspetiva da prevenção, as obrigações das entidades de pagamentos no que toca aos procedimentos de Know Your Customer (KYC) e ao combate ao branqueamento de capitais, desde logo pelos riscos suscitados nesta matéria pelo jogo ilegal online, mas também, do lado da repressão, a importância estratégica da cooperação entre as autoridades de diferentes jurisdições, seja para responsabilização dos agentes dos crimes, seja para a recolha de prova que permitam a sua responsabilização em território nacional.

O Digital Services Act poderá ser um aliado neste combate, nomeadamente no que envolve plataformas como redes sociais e motores de busca, que têm deveres acrescidos de atuação em relação a conteúdos ilegais e podem ser responsabilizados caso não sejam suficientemente diligentes. Domingos Soares Farinho, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sublinhou a necessidade da «articulação entre a ANACOM e as entidades competentes sobre o jogo online, como o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, que ainda não começou». Conhecer o negócio «é fundamental», concordando com o papel mais ativo dos operadores na criação da regulamentação.

Uma reflexão abordada em mais de uma das mesas foi qual o sentido da reserva ao estado da atividade de exploração de apostas e jogos quando esta é uma atividade que o estado não pretende explorar. O jogo online foi identificado claramente como uma atividade regulada, com todas as características inerentes, e onde faz sentido a intervenção de entidades públicas com o papel de salvaguardar o interesse público.

O interesse no desenvolvimento do jogo online como matéria de estudo académico foi bastante sublinhada, merecendo particular atenção dentro do setor mais alargado dos jogos e apostas até porque é “onde está o futuro” e “um laboratório perfeito” para testar a regulação pública. Foram propostas a criação de cadeiras opcionais de mestrado, até para a produção de teses, para além de publicações e mais conferências.

Do leque de temas abordados na conferência constaram a dinâmica de maior desenvolvimento do jogo em tempos de crise económica, o papel do jogo online como motor do setor, nomeadamente no regime de defesa do consumidor e a tendência do Estado para regular excessivamente o jogo, por não querer ter relação com este mas este ser sua reserva legal, estatuto que foi considerado desadequado pela unanimidade dos participantes. O papel legitimador dos operadores ilegais que meios de pagamento como o Multibanco e MBWay têm, foram também temas em debate. Para o futuro, ficou agendada uma abordagem disciplinar mais abrangente da temática do jogo, em eventos futuros.