Maarten Haijer

Maarten Haijer entrou para a EGBA em 2008, tendo assumido o cargo de Secretário-Geral da Associação em 2013. Trabalhou anteriormente na Representação Permanente da Holanda na União Europeia, em Bruxelas, onde lidou com o mercado interno e com assuntos ligados às negociações legislativas de proteção ao consumidor. É formado em Economia e Política Internacional. 

Anne-Marie Furtschegger

Anne-Marie Furtschegger é Secretária-Geral da APAJO desde dezembro de 2019. Foi responsável pelos Assuntos Públicos da Europa no Grupo GVC (atual Entain) e na bwin, trabalhando no setor do jogo online desde 2000. Licenciada em Comunicação Transcultural, interessa-se, em particular, pela partilha de informação e conhecimento, aprendizagem contínua e o apoio a abordagens harmonizadas com vista à regulação do setor. 

Maarten Haijer, Secretário-Geral da Associação Europeia de Jogos e Apostas (EGBA), conversou com Anne-Marie Furtschegger, Secretária-Geral da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), sobre os principais pilares da regulamentação dos jogos de azar online na Europa e noutros territórios.

 

Anne-Marie: Maarten, 2021 é um ano desafiante para a regulamentação europeia dos jogos de azar online: a Holanda já iniciou o seu processo de licenciamento; a Alemanha ratificou a quarta versão do Tratado de Estado e irá agora legalizar e conceder licenças para os jogos de casino. O Reino Unido está a meio da revisão da sua lei de jogos de azar (Gambling Act), de 2005, e outros países, como Portugal vão ajustar ou rever a sua legislação relativamente aos jogos de azar online. Deixei escapar alguma coisa?

 

"Julgo que existem dois processos regulatórios a decorrer em paralelo: primeiro, aqueles países que ainda não dispõem de um sistema de licenciamento múltiplo, e que têm de se apressar para acompanhar o ritmo dos outros países; e em segundo, os estados-membros que já regularam há algum tempo e que estão em processo de revisão da regulamentação."

 

Maarten Haijer: Estás absolutamente certa. Tem sido um ano agitado, de muito trabalho, para a regulação dos jogos de azar na Europa. Na verdade, julgo que existem dois processos regulatórios a decorrer em paralelo. Em primeiro lugar, os poucos países na Europa que ainda não têm um regime de licenciamento múltiplo para jogos de azar online começaram, ou já implementaram, um quadro regulamentar para licenciamento múltiplo. É bastante positivo ver a Irlanda e a Holanda a seguirem a tendência geral de licenciamento múltiplo que vemos acontecer em toda a Europa. Também gostaria de mencionar a Finlândia e a Noruega, porque os sistemas de monopólio vigentes em ambos os países estão sob crescente escrutínio. Na minha opinião, estes dois países devem estar disponíveis para repensar, fundamentalmente, sobre como regulamentam o jogo, porque é evidente que o sistema de monopólio não é eficaz no mundo online. Esperamos que a mudança ocorra, mesmo que lentamente.

Ademais, parece existir uma segunda vaga de regulamentações nos países europeus onde o mercado de jogos de azar online já foi regulado há algum tempo e onde os objetivos e instrumentos regulamentares estão a ser alvo de revisão e parcial reformulação. Acreditamos que a mudança nos canais de operação tem de ser prioridade e estar no centro destas reformulações, para garantir que os jogadores são encorajados a jogar no mercado regulado ─ onde existem mecanismos de proteção do consumidor ─, e não no mercado ilícito, onde se movem operadores ilegais.

 

"O mundo tenta acompanhar-nos em matéria de regulamentação dos jogos de azar online. A principal razão para isto deve-se, provavelmente, ao facto de os países europeus terem sido muito mais rápidos em reconhecer e responder à demanda dos consumidores por jogos de azar online."

 

Anne-Marie: Temos também os Estados Unidos da América, e em particular os países da América Latina. Nos EUA, assistimos à regulação das apostas desportivas em quase metade dos Estados, e muitos outros se seguirão. O México e a Argentina são igualmente bastante ativos no que respeita à concessão de licenças ou à finalização dos enquadramentos jurídicos. 

 

Maarten Haijer: Sim, e isso mostra o quão à frente a Europa se encontra. O mundo tenta acompanhar-nos em matéria de regulamentação dos jogos de azar online. A principal razão para isto deve-se, provavelmente, ao facto de os países europeus terem sido muito mais rápidos a reconhecer e responder à demanda dos consumidores por jogos de azar online, iniciando o processo regulatório muito mais cedo do que qualquer outro lugar do mundo. É também um motivo de orgulho, porque agora a Europa lidera as normas regulamentares e muitas das empresas líderes do setor são europeias.

Em muitas das jurisdições que acabaste de mencionar, as empresas europeias estão a levar a sua experiência, conhecimento e tecnologias, ferramentas que foram desenvolvidas na Europa. Contudo, também há um lado desvantajoso. Notamos que muitas das empresas com foco internacional estão cada vez mais divididas entre a Europa e as Américas do Sul e do Norte. Isso pode significar que as licenças europeias poderão tornar-se relativamente menos atraentes à medida que se disponibilizam mais alternativas.

 

"A somar a esta saturação, observamos uma forte tendência para regras mais rígidas, especialmente em países com um grande número de licenciados como Itália, Espanha, Suécia e o Reino Unido. Verificações dos meios financeiros dos consumidores, controlo dos VIP, limites de aposta e de depósito, assim como proibições de cartão de crédito, são apenas algumas das medidas atualmente debatidas por legisladores em muitos países europeus."

 

Anne-Marie: Interessante o que enfatizas aqui, Maarten, que as grandes empresas internacionais parecem focar-se mais no novo mundo. Em muitos aspetos é compreensível, uma vez que muitos mercados europeus já estão saturados, e a somar a essa saturação observamos uma forte tendência para regras mais rígidas, especialmente em países com um grande número de licenciados como Itália, Espanha, Suécia e o Reino Unido. Publicidade e patrocínios são um tópico muito relevante em Itália e em Espanha, mas não apenas nesses países. Os impostos tendem a aumentar novamente. A Itália introduziu uma taxa adicional durante a pandemia de Covid-19, o imposto na Holanda inclui uma taxa para financiar a prevenção do vício em jogos de azar, e a Alemanha, por exemplo, propôs o maior imposto de sempre sobre póquer e slot machines, 5,3% sobre o volume de negócios. Verificações dos meios financeiros dos consumidores, controlo dos VIP, limites de aposta e de depósito, assim como proibições de cartão de crédito, são apenas algumas das medidas atualmente debatidas por legisladores em muitos países europeus.

 

"As medidas regulatórias devem concentrar-se em proteger os jogadores que jogam muito, ou com muita frequência e, ao mesmo tempo, não reduzir o nível de entretenimento daqueles que apreciam uma aposta ocasional."

 

Maarten Haijer: Temos de reconhecer que em alguns países existem preocupações relativamente aos jogos de azar online, e isso pode despertar a atenção dos políticos e levá-los a requerer uma reação regulatória. Posto isto, a regulação deve ter um propósito claro e ser eficaz na consecução dos seus objetivos. As medidas regulatórias devem concentrar-se em proteger os jogadores que jogam muito, ou com muita frequência, e, ao mesmo tempo, não reduzir o nível de entretenimento daqueles que apreciam uma aposta ocasional. Porque uma regulamentação muito rígida e demasiado abrangente pode ser contraproducente, e em última análise corre-se o risco de os jogadores migrarem para sites não regulamentados do mercado ilícito, onde não se garante proteção ao consumidor. Isso iria contra o objetivo de se regular, porque os jogadores só podem ser protegidos se jogarem dentro de um ambiente regulamentado. Por exemplo, na Suécia, vimos a introdução de um limite de depósito geral para o casino online que correspondeu a um aumento na atividade de jogo online do país em sites internacionais que não aplicam esse limite de depósito. A regulamentação eficaz e a proteção efetiva do consumidor dependem da capacidade de o ambiente regulamentado ser mais ou menos atraente para os jogadores. Por exemplo, é cada vez mais evidente que a proteção eficaz ao consumidor é uma proteção ajustada a um cliente específico, tomando em linha de conta as preferências e o comportamento do jogador. 

 

"Penso que um ajuste personalizado aos jogos e à forma de jogo responsável se tornarão cada vez mais importantes e populares.."

 

Anne-Marie: Maarten, fazes alusão às tendências atuais de ofertas e medidas de proteção individualizadas, muitas das quais se tornaram possíveis e disponíveis graças a novas tecnologias como a inteligência artificial e machine learning. Penso que um ajuste personalizado aos jogos e à forma de jogo responsável se tornarão cada vez mais importantes e populares. Não faria mais sentido se as jurisdições focassem as suas metas regulatórias na legislação destas vertentes mais inovadoras do setor do que na revisão do que já se encontra regulamentado? 

 

Maarten Haijer: Repara, a regulamentação é importante. A sociedade e a tecnologia estão em constante mudança e, por isso, as regras devem ser revistas com frequência para garantir a eficácia da sua aplicação e o cumprimento de objetivos. No que diz respeito à tecnologia e à velocidade da inovação, devemos ter abordagens à regulamentação mais baseadas em resultados - e tecnologicamente neutras -, de modo que não apenas regulamentemos o passado, mas também permitamos que a inovação seja capturada pela regulamentação. E, nesta área, há uma necessidade óbvia de cooperação e padronização entre as jurisdições europeias, pois é a única forma de acompanhar os desenvolvimentos.

 

"Existem também muitas propostas legislativas em curso a nível da UE que afetarão o setor do jogo e a forma como este é regulamentado, desde sistemas de identidade eletrónica a novas regras de anti-lavagem de dinheiro, inteligência artificial e o Digital Services Act."

 

Anne-Marie: Maarten, a EGBA trabalha particularmente neste último. Quais são as atividades atuais a nível da UE que ajudariam a aproximar mais as diferentes realidades nacionais dos jogos de azar online? 

 

Maarten Haijer: Na verdade, há uma série de legislação europeia horizontal que já afeta o setor dos jogos de azar online, como os sistemas anti-lavagem de dinheiro e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). Existem também muitas propostas legislativas em curso que afetarão o setor do jogo e a forma como este é regulamentado. Vimos uma proposta para um sistema europeu de identidade eletrónica, que é importante para o KYC – Know Your Costumer, bem como uma nova proposta sobre as soluções anti-lavagem de dinheiro que se focará num compromisso mais forte e unificado das regras da UE contra esse problema. A Comissão Europeia acaba de publicar uma proposta sobre o uso de inteligência artificial que pode ter o mesmo impacto que o RGPD ao estabelecer um padrão global. Há também negociações sobre o Digital Single Act, mais dirigido à revisão da diretiva do comércio eletrónico, que ainda agora começou. Do lado dos jogos de azar, em particular, e embora haja uma ausência de apoio político para um regulamento da UE específico do setor, penso que muito mais pode e deve ser feito a nível prático em relação à normalização e cooperação regulamentar, o que seria benéfico para todos os stakeholders desta indústria.

 

"Tenho a visão de que um dia os jogos de azar online serão jogos de azar globais com padrões comuns, como no setor de telecomunicações."

 

Anne-Marie: Pensas que a UE conseguirá criar, no nosso setor, uma abordagem mais unificada que poderia servir de padrão a outros países como os EUA, o Canadá ou Brasil que, até agora, optaram por um posicionamento específico em cada estado em vez de uma perspetiva federal ou horizontal? Tenho a visão de que um dia os jogos de azar online serão jogos de azar globais com padrões comuns, como no setor de telecomunicações. Isso poderia acontecer ou é apenas um sonho? 

 

"Desde que as receitas fiscais nacionais e os níveis de proteção do consumidor estejam garantidos, não vejo razão para que os desafios da regulamentação do ambiente digital não possam levar, inevitavelmente, a uma abordagem mais unificada dos jogos de azar online."

 

Maarten Haijer: Bem, estou convencido de que haverá uma abordagem mais unificada para os jogos de azar online a nível da UE ─ e há uma vantagem clara em fazê-lo. Infelizmente existe um problema de legado, tendo o setor online herdado a tradição das regulamentações nacionais para jogos de azar offline. Mas, desde que as receitas fiscais nacionais e os níveis de proteção ao consumidor estejam garantidos, os desafios de regulamentação do ambiente digital levarão, inevitavelmente, a uma abordagem mais unificada dos jogos de azar online. Estou certo de que isso também afetará outras jurisdições e continentes. Enquanto isso, os órgãos da indústria ─ tanto na Europa como noutros territórios ─ beneficiariam de um trabalho em conjunto para garantir que as visões e aprendizagens possam ser partilhadas entre jurisdições, promovendo-se uma maior cooperação, capaz de impulsionar os padrões da indústria, e partilhar as melhores práticas entre os países. A EGBA e a APAJO já estão a fazer este reforço de articulação conjunta, e esperamos que esta colaboração se mantenha no futuro.