Entrevista com a Deputada do Parlamento Europeu, Dra. Maria Manuel Leitão Marques 

 

 

A Deputada do Parlamento Europeu, Dra. Maria Manuel Leitão Marques, explica o Digital Services Act e o seu possível impacto no jogo online e a sua relevância em relação aos conteúdos ilegais.

 

APAJO: Acha que hoje temos mais consciência em relação à integridade desportiva do que tínhamos há dez anos?

 

Manuel de la Marta: Sem dúvida que sim. A integridade tem vindo, justificadamente, a estar cada vez mais, na vanguarda do desporto nos últimos anos. E não são apenas as grandes federações que estão agora a implementar os procedimentos e sistemas corretos, mas também ligas e campeonatos mais pequenos que se esforçam por proteger-se contra ameaças de integridade o melhor que podem. Na Sportradar, estendemos os nossos serviços a todo o tipo de federações e diferentes stakeholders que apoiam a nossa visão para o desporto sem manipulação, seja através da monitorização, educação, suporte à intelligence, compliance, antidoping, ou idealmente, uma combinação destes serviços.

 

"A vontade política e a legislação são cruciais para enfrentar este desafio também. E para esse efeito, a Convenção sobre a Manipulação das Competições Desportivas (Convenção de Macolin) é um projeto importante, para o qual a legislação criou mecanismos de cooperação internacional e uma moldura estruturada que permite aos principais intervenientes alinharem melhor os seus esforços e coordenarem as suas ações."

 

APAJO: O novo Digital Services Act vai prever medidas relativas à identificação e ao bloqueio de conteúdos. Contudo, as questões transfronteiriças são cada vez maiores, sobretudo porque, com a abertura do mercado americano para o jogo, as principais empresas europeias estão na mira das gigantes americanas. Por isso, perante a crescente influência dos EUA na indústria europeia do jogo online, acha que a UE devia ter uma postura mais assertiva? Deveria a UE olhar com mais atenção para este sector e assumir mais responsabilidades? 

 

Marques: O jogo online tem de ser abordado sob diferentes perspetivas regulatórias. Entre elas está a proteção de menores e dos grupos vulneráveis, a prevenção do vício do jogo, o sobre-endividamento de quem joga, a desinformação e a publicidade enganosa, a usurpação da identidade e o cibercrime, o branqueamento de capitais ou a segurança dos equipamentos do jogo. 

Alguns são parcialmente cobertos por diplomas específicos já existentes, mas acho que, para além do aprofundamento da cooperação administrativa entre a Comissão e os Estados-Membros, deveria existir uma iniciativa europeia específica que pudesse tratar o problema no seu conjunto, o que além do mais harmonizaria as regras no mercado interno. Acrescem aos problemas já detetados algumas notícias que mostram que o confinamento os agravou. 

"O Digital Services Act não trata diretamente do jogo online, mas ao prevenir o conteúdo ilegal nas redes e agilizar os mecanismos da sua denúncia e remoção, ao regular a publicidade dirigida com base nos dados pessoais, ao exigir que as plataformas saibam quem são os seus anunciantes, naturalmente poderá ter um impacto positivo no jogo online."

 

 APAJO: Sabendo que um dos pontos cruciais é a questão dos conteúdos legais e ilegais, algo que se torna difícil de escrutinar, dado que é enquadrado principalmente por legislação nacional e não da UE, considera que o Digital Services Act é equilibrado o suficiente, tal como está? Considera que o DSA vai permitir à Europa agir com força suficiente contra o conteúdo ilegal proveniente de fora das fronteiras da UE? 

 

Marques: O DSA não altera as definições de conteúdos legais e ilegais, que se manterão ao nível nacional, mas clarifica a responsabilidade (ou sua isenção) dos intermediários, ou seja, das plataformas. 

Creio que é uma solução equilibrada, já que mexer na definição de legal e ilegal e torná-la europeia, embora fosse preferível do ponto de vista do mercado único digital, seria muito difícil pelas diferentes sensibilidades culturais e políticas que existem nos diferentes Estados Membros. 

 

"Sobre o conteúdo além-fronteiras da UE, é uma situação que tenho levantado no Parlamento e que terei em conta quando trabalharmos nesta proposta da Comissão. Teremos de arranjar um equilíbrio para a proteção dos utilizadores no território europeu sem causar uma possível fragmentação do ciberespaço."

 

APAJO: Acha que as propostas do Digital Services Act e do Digital Market Act têm como finalidade primordial proteger a UE contra ameaças externas ou antes criar o ambiente adequado para o desenvolvimento da economia digital na UE? 

 

Marques: As duas situações, em certa medida. Especialmente o Digital Markets Act visa controlar o excessivo poder de algumas plataformas, as chamadas gatekeepers, que em geral não são empresas europeias. Não serão própria-mente ameaças externas no sentido mais bélico do termo, mas representam uma perda de soberania digital. 

Com estes dois diplomas, a UE pretende, no essencial, criar condições harmonizadas para o desenvolvimento do mercado único digital, impedindo a sua fragmentação, como já estava a acontecer, e estimulando o seu desenvolvimento, num quadro de estímulo à inovação e de proteção dos consumidores e das liberdades fundamentais.

"Mas a ambição da UE vai além disso. Tal como aconteceu com o Regulamento de Proteção de Dados Pessoais (RGPD), a UE pretende com estas iniciativas legislativas influenciar outros países do mundo que estão igualmente a preparar regras desta natureza. Com a nova administração Biden não é de excluir que possa haver alguma convergência com os EUA, o que seria muito importante."

 

APAJO: Já estão definidas as etapas temporais para este processo legislativo e para quando podemos esperar a publicação e aplicação em toda a União Europeia? 

 

Marques: Não estão definidas e o tempo que estas propostas da Comissão Europeia costumam demorar a ser consensualizadas entre o Conselho e o Parlamento é em si mesmo um problema. Os mercados digitais evoluem muito rapidamente. Por isso daqui a um ano podemos ter outras preocupações. Além disso, os diplomas finais vão precisar de ter cláusulas que permitam alguma flexibilidade para se irem adaptando às mudanças no mercado. 

 

APAJO: Para terminar, o facto de Portugal ocupar no momento a presidência do Conselho Europeu altera o seu trabalho?

 

Marques: O meu trabalho parlamentar direto aqui no Parlamento em Bruxelas não propriamente, a não ser o gosto de encontrar frequentemente antigos colegas do Governo, ainda que virtualmente. Mas naturalmente beneficio no meu trabalho político enquanto deputada do facto de a Presidência fazer com que haja mais atenção para as questões europeias em Portugal. 

 

APAJO: Muito obrigado pela sua disponibilidade e por partilhar connosco as suas perspetivas sobre o futuro da Europa Digital.