Entrevista com Birgitte Sand - Birgitte Sand & Associates ApS.

 

 

Birgitte Sand foi a Directora Geral da Autoridade Dinamarquesa de Jogos (Spillemyndigheden) entre 2008 e março de 2020. Gere, agora, a Birgitte Sand & Associates ApS.

 

APAJO: A Birgitte supervisionou a abertura do mercado dinamarquês às apostas e jogos de azar online e acompanhou a indústria no seu processo de amadurecimento. De acordo com a sua experiência, quais foram os maiores desafios durante esses primeiros anos e o que é que destaca desse período?

 

Birgitte Sand: Ser responsável pela regulação de um mercado aberto para as apostas e jogos de azar online faz-me lembrar o malabarismo dos artistas de circo! Os primeiros dois anos, foram, essencialmente, para estabelecer as duas grandes linhas da nossa atuação: atribuir as licenças e acompanhar os desafios do novo mercado dos jogos de azar online. A liberalização do mercado dinamarquês expandiu significativamente o número de entidades. Assim, os maiores desafios foram elencar as prioridades de forma correta e garantir um diálogo aberto com os operadores de apostas e jogos de azar online, com outras autoridades, com centros de tratamento, ou com colegas de outras jurisdições. Neste processo, recordo-me que uma das principais tarefas esteve relacionada com o tipo de dados que deveríamos pedir aos operadores licenciados. Também era chave disponibilizarmos diretrizes concretas.

Posso, ainda, destacar, em primeiro lugar, o facto de termos uma equipa forte na DGA, extremamente empenhada e ambiciosa. O novo “Modelo Dinamarquês” foi uma grande oportunidade para lutar contra a oferta ilícita e proteger os jogadores desta oferta insegura. Em segundo lugar, à época (em 2011/2012), não havia muitos regimes regulatórios semelhantes na Europa e, por isso, a UKGC (regulador britânico) foi e continuou a ser um dos nossos parceiros valiosos. Colaborámos, também, com outros regimes regulatórios nos países nórdicos, concluímos Memorandos de Entendimento, e também o diálogo com a GREF (reguladores europeus), a IAGR (reguladores globais) ou com organizações como EASG, EGBA, IMGL, IAGA permitiram criar uma importante base de conhecimento. O resultado desta cooperação internacional ficou traduzido no sucesso do modelo implementado na Dinamarca.

Em terceiro lugar, destaco o apoio dado pelos operadores ao novo sistema de licenciamento e pelos jogadores dinamarqueses que têm optado por estes novos produtos licenciados, o que conduziu a uma elevada taxa de adesão à oferta regulamentada.

 

"Ainda não vi nenhum país fazer uma cópia integral de outro e, para mim, faz todo o sentido que a escolha por um determinado tipo de legislação ou modelo regulatório reflita a cultura, a organização política e as tradições do país a que se destina."

 

APAJO: Desde 2018 que temos vindo a observar uma tendência de incremento das restrições na Europa, principalmente ao nível da publicidade, mas não só. O Reino Unido, tem sido, neste aspeto, o mercado-referência, mas o qual tem, também, uma abordagem diferente para a regulamentação, mais baseada em metas e não tanto em regras. Concorda?

 

Birgitte Sand: Ainda não vi nenhum país fazer uma cópia integral de outro e, para mim, faz todo o sentido que a escolha por um determinado tipo de legislação e de modelo regulatório reflita a cultura, a organização política e as tradições do país a que se destina. Por outras palavras, sou totalmente a favor de soluções ajustadas ao modelo de jurisdição e aos hábitos dos cidadãos. Ao mesmo tempo, tive oportunidade de ver que há uma grande cooperação transfronteiriça entre os reguladores e o grupo de peritos da UE nesta matéria com o fim de harmonizar as normas técnicas.

 

APAJO: Com os Estados-Membros da UE quase todos regulamentados de uma forma ou de outra, e por causa de uma certa saturação do mercado, as empresas estão a olhar cada vez mais para outras regiões do mundo, como os EUA, a América Latina ou ultimamente, também África. Muitos desses países, no entanto, parecem ter regras ainda mais rígidas, como a necessidade de serem estabelecidas parcerias com empresas locais. Acha que isso é positivo ou vai ser contraproducente?

 

Birgitte Sand: É importante termos em consideração os importantes desenvolvimentos que houve nos últimos cinco a dez anos. À medida que a indústria dos jogos de azar se expandiu, nas suas várias dimensões, não será de estranhar que outras regiões acabem por se tornarem relevantes e atrativas.

E, tal como referi, cada jurisdição é única e, por isso, preocupa-se em cumprir com rigor os seus propósitos legais. Sou uma forte defensora das soluções e dos requisitos que salvaguardem a singularidade jurisdicional, ao mesmo tempo em que criam simplicidade e sinergia para todos: consumidores, reguladores e indústria.

 

"Uma forma de alcançarmos um processo mais agilizado, seria garantir a flexibilidade necessária na legislação e permitir que tais alterações sejam decididas pelos órgãos de administração, sem a participação da assembleia legislativa."

 

APAJO: Um dos maiores desafios dos jogos online são as rápidas mudanças e desenvolvimentos na tecnologia e, consequentemente, no produto. Por este motivo, alguns reguladores já preveem uma revisão regular da lei. Acha que isto poderia ser resolvido de forma diferente?

 

Birgitte Sand: Todos sabemos que a revisão da lei encerra várias dificuldades e desafios, nomeadamente o tempo que leva até que essas mudanças se transformem em requisitos e diretrizes úteis. Uma forma de alcançarmos um processo mais agilizado, seria garantir a flexibilidade necessária na legislação e permitir que tais alterações sejam decididas pelos órgãos de administração, sem a participação da assembleia legislativa. É claro que é um assunto complexo, mas, na DGA, tivemos, por exemplo, a vantagem de ter internamente grandes conhecimentos técnicos que foi de grande ajuda nesse aspeto.

 

"Uma expectativa otimista é que muitas das grandes regiões do mundo irão beneficiar das experiências já realizadas ao criarem, em conjunto com os operadores, soluções que otimizam uma experiência de jogo segura e justa."

 

APAJO: Última pergunta: Qual é a sua visão sobre as apostas e jogos online daqui a dez anos?

 

Birgitte Sand: Daqui a dez anos, não estaremos, com certeza, a usar tanto expressões de apostas online ou de jogos de azar online porque vão surgir ainda muito mais jogos diferentes, com muitas novidades, que estarão disponíveis em diferentes plataformas, formatos e dispositivos que nós, hoje, ainda não conhecemos.

Além disso, espero ver muitos países a assumirem uma posição sobre o jogo com dinheiro real e decidirem por uma solução jurisdicional. A incerteza é, a meu ver, o maior risco para os consumidores e para os operadores. Uma expectativa otimista é que muitas das grandes regiões do mundo irão beneficiar das experiências já realizadas ao criarem, em conjunto com os operadores, soluções que otimizam uma experiência de jogo segura e justa.

 

APAJO: Birgitte, foi uma honra e um prazer especial falar consigo. Agradeço muito ter partilhado connosco a sua perceção do jogo.

 

Birgitte Sand: O prazer foi meu. Agradeço a oportunidade que me deram de contribuir para o importante trabalho que a APAJO está a fazer.