Entrevista com Tiago Bessa - Managing Associate no escritório de advogados Vieira de Almeida
Tiago Bessa, Managing Associate no escritório de advogados Vieira de Almeida, que tem a responsabilidade da área de prática de Tecnologias de Informação e Comunicação e Transações IP, fala-nos sobre as vantagens e desvantagens dos chamados preços individuais ou personalizados na era digital.
APAJO: Tiago, em outubro do ano passado, as diretivas da UE no âmbito dos direitos do consumidor foram alteradas e têm de ser transpostas para a legislação nacional até ao Outono. Nessas alterações, uma das abordagens diz respeito ao chamado “preço individual ou personalizado”. Vamos começar pela definição desse conceito. O que é, afinal, o “preço individual ou personalizado”?
Tiago Bessa: Preço individual ou personalizado é um mecanismo de marketing que permite ao vendedor cobrar ao consumidor um preço específico com base em certas características que o consumidor apresenta, ou que permite segmentar os clientes em grupos, organizados de acordo com determinadas características, e cobrar preços diferenciados para cada grupo.
A determinação de um preço individual é feita através da recolha e análise de dados do consumidor que permitem tipificar e criar um perfil preditivo. Os dados mais comuns que podem ser recolhidos dizem respeito, por exemplo, à forma como o consumidor acedeu a um determinado serviço (via smartphone, computador, tablet, etc, ...) à sua localização geográfica (a partir de onde está a aceder),
"O objetivo é determinar padrões e usar esses padrões para vender os produtos ao preço máximo que o consumidor está disposto a pagar."
o seu histórico (produtos que comprou anteriormente) e comportamentos (hora e data da compra anterior, tempo gasto na página de determinado produto, etc, ...). O objetivo é determinar padrões e usar esses padrões para vender os produtos ao preço máximo que o consumidor está disposto a pagar.
"Medidas como esta podem promover vendas mais eficientes e contribuir para a rentabilidade económica dos setores /mercados em que esta opção se aplique."
No que diz respeito às alterações incorporadas nas diretivas da UE sobre os direitos do consumidor, e considerando 45 da Diretiva 2019/2161 é bastante claro no que diz respeito ao objetivo de abordar os preços individuais. Ou seja, não proíbe o preço individual, mas os consumidores devem ser informados com clareza quando o preço for personalizado através de um processo automatizado. Isso permite que o consumidor leve em consideração todos os riscos relacionados com a decisão de compra.
Acredito que o legislador europeu seguiu uma abordagem correta. Em vez de “proibir por definição” (numa abordagem paternalista), institui o princípio do “dever de informar”, permitindo que o consumidor tenha a última palavra sobre se aceita ou não o preço personalizado. Na minha opinião, medidas como esta podem promover vendas mais eficientes e contribuir para a rentabilidade económica dos setores/mercados em que esta opção se aplique.
Trata-se, portanto, de um novo mecanismo que os comerciantes têm ao seu dispor, mas que também atrai mais obrigações, nomeadamente no que se refere à informação pré-contratual. Mas estas novas Diretivas da EU, sobre os Direitos do Consumidor, ainda não foram transpostas para a legislação portuguesa.
"O vendedor, atuando como gestor dos dados, deve garantir que o processamento desses dados tem fundamento legal, seja pelo consentimento do titular dos dados ou outro."
APAJO: Portanto, o preço individual é, na verdade, baseado em muitos dados. E então a proteção de dados, com funciona nestas situações?
Tiago Bessa: Sim de facto! Quanto mais dados estiverem disponíveis, mais preciso será o perfil e, portanto, mais próximo o preço individual estará do preço máximo que um consumidor está disposto a pagar por um determinado serviço/bem. Assim, a proteção de dados é uma das principais preocupações, tanto para as autoridades, como para os consumidores, embora, como essas tecnologias nem sempre são transparentes, os consumidores podem ainda não estar cientes delas, nesta fase. Essa falta de consciência do consumidor apresenta, certamente, alguns riscos para o vendedor - não apenas riscos de reputação, mas também o risco de o consumidor querer rescindir o contrato no prazo de 14 dias (aplicável em relação a contratos à distância).
Mas, focando na proteção de dados, sublinho que o quadro europeu de proteção de dados já oferece um regime abrangente.
Os titulares dos dados, que, neste caso, serão os consumidores, têm o direito de conhecer previamente todos os aspetos relevantes da recolha e tratamento dos seus dados.
Portanto, quem controla os dados (que pode ser o vendedor/comerciante) deve deixar perfeitamente claro para os consumidores que os dados pessoais estão a ser a recolhidos e processados, os motivos pelos quais estão a ser recolhidos, os fins a que se destinam e quais os termos e condições dessa recolha.
Este é o requisito de um processamento de dados justo e transparente, que o RGPD impõe claramente e que o mecanismo de formação individual de preço não impede.
Além disso, como neste tipo de mecanismos haverá, provavelmente, decisões e perfis automatizados, o RGPD define um conjunto adicional de regras mais rígidas que devem ser cumpridas por quem controla os dados.
"Isso pode levar à redução do que na economia se chama o “excedente do consumidor”, ou seja, a diferença entre o preço mais alto que um consumidor está disposto a pagar e o preço real que paga por esse bem (que é o preço de mercado do bem). Mas, na minha opinião, também pode levar a vendas mais eficientes e a melhores negócios."
Em particular, o RGPD estabelece que o titular dos dados terá o direito de não ser sujeito a uma decisão baseada exclusivamente no processamento automatizado, incluindo a criação de perfis, se tal decisão produzir efeitos jurídicos em relação a si ou afetar significativamente o titular dos dados.
Por isso, vai ser interessante verificar como é que o novo mecanismo de formação individual de preços, permitido pelas Diretivas da EU, vai ser enquadrado com as regras mais rígidas que decorrem do RGPD.
Por último, mas não menos importante, o vendedor, atuando como gestor dos dados, deve garantir que o processamento desses dados tem fundamento legal, seja pelo consentimento do titular dos dados ou outro.
APAJO: Em concreto, onde acha que estão as vantagens e os riscos deste conceito de preço muito personalizado?
Tiago Bessa: Começando pelos riscos, já fiz referência aos riscos de reputação que podem pesar sobre o vendedor, assim que o consumidor se aperceber que está a ser alvo de um preço personalizado (caso a informação não tenha sido prestada de forma clara e transparente). Além disso, existem riscos de discriminação, uma vez que a diferenciação de preços para diferentes consumidores, com base nos seus dados pessoais recolhidos e processados, pode originar tratamentos injustos e possivelmente muitas reclamações.
Acrescem, ainda, riscos regulamentares – em Portugal, ao abrigo do Decreto-Lei das Vendas à Distância e das Práticas Comerciais Desleais – em que o vendedor é obrigado a informar o consumidor, de forma clara, sobre o preço e a forma como este é calculado, existindo também as limitações previstas no RGPD, na definição de perfis e decisões automatizadas.
Do lado das vantagens, ao longo da história, os vendedores estão sempre à procura do preço máximo que um consumidor está disposto a pagar por um determinado serviço/bem. Os preços são normalmente calculados a partir de uma média ponderada e, por vezes, o consumidor tem a noção de que está a pagar menos do que deveria para comprar algo. Claro que isso muda de consumidor para consumidor, mas, agora, cada um tem acesso às ferramentas necessárias para se certificar do preço que está a pagar. Isso pode levar à redução do que na economia se chama o “excedente do consumidor”, ou seja, a diferença entre o preço mais alto que um consumidor está disposto a pagar e o preço real que paga por esse bem (que é o preço de mercado do bem). Mas, na minha opinião, também pode levar a vendas mais eficientes e a melhores negócios.
"Nos mecanismos de personalização de preços, a comparação de preços pode perder relevância porque os preços seriam elaborados com base nas preferências específicas do próprio consumidor e não através de uma média da generalidade dos consumidores."
APAJO: E como se podem garantir a transparência e a comparabilidade num ambiente de preços como este?
Tiago Bessa: O consumidor seja uma parte informada do processo de formação individual de preços e também que o vendedor cumpra essas importantes regras. A transparência e as informações prévias serão essenciais para a aplicação correta do mecanismo de formação de preços personalizados.
É importante o cumprimento das disposições de proteção do consumidor e dos seus dados é um primeiro, mas sólido, passo em direção à transparência. É importante que o consumidor seja uma parte informada do processo de formação individual de preços e também que o vendedor cumpra essas importantes regras. A transparência e as informações prévias serão essenciais para a aplicação correta do mecanismo de formação de preços personalizados.
A comparabilidade é outro aspeto igualmente importante. Os sites e plataformas de comparação de preços são um meio para o conseguir. Pode ser prestado por empresas, como um serviço, por entidades relevantes interessadas na defesa do consumidor, como associações ou ONGs, ou, ainda, pode ser assegurado por autoridades públicas. Nos mecanismos de personalização de preços, a comparação de preços pode perder relevância porque os preços seriam elaborados com base nas preferências específicas do próprio consumidor e não através de uma média da generalidade dos consumidores. Em qualquer caso, para “preços padrão” continuaria a ser uma ferramenta importante para a tomada de decisão do consumidor, por permitir encontrar o preço de serviços e bens antes de ser aplicado qualquer sistema automatizado de personalização de preços.
"Significaria que uma odd seria oferecida a um jogador específico considerando a avaliação de risco e preço feita individualmente. Combinar isso com o nível de risco assumido pelos operadores ao definir as odds pode levar a um novo mundo das apostas desportivas online."
APAJO: Acha que isto pode e será aplicado aos jogos e apostas online, em geral, e às apostas desportivas online em particular?
Tiago Bessa: Definir as odds tendo por base a disposição que um jogador tem para arriscar e fazer uma aposta abaixo ou acima de um determinado preço é, certamente, algo desafiador para os operadores. Isso significaria que uma odd seria oferecida a um jogador específico considerando a avaliação de risco e preço feita individualmente. Combinar isso com o nível de risco assumido pelos operadores ao definir as odds pode levar a um novo mundo das apostas desportivas online.
Claro que isto não poderia ser implementado sem o cumprimento do regulamento acima mencionado, a fim de enfrentar de forma efetiva as preocupações legítimas em matéria de proteção do consumidor e privacidade dos dados. Além disso, como o jogo tende a atrair a discussão sobre o vício que pode provocar, também a personalização do preço (se for definido com base no perfil do jogador) poderá ser vista como um mecanismo que agrava esse risco.
Por isso, dentro de limites estritos e com um programa de compliance e de prevenção de dependências - que os operadores já estão obrigados a implementar - acreditamos que será possível uma tarifação personalizada no mercado das apostas e dos jogos online.
APAJO: Muito obrigado por partilhar connosco a tua visão sobre este assunto tão atual.
Tiago Bessa: Obrigado, Annie. Foi realmente uma honra poder discutir contigo este assunto tão importante. Os desenvolvimentos na proteção do consumidor ocorrem tão rapidamente que precisamos estar muito vigilantes. Acompanhar todas as alterações regulatórias não é fácil, mas isso é inevitável, pois a cada dia novas tecnologias e aplicações são lançadas, apresentando novos e exigentes desafios jurídicos!