Entrevista com Florian Lottmann - Managing Partner da Bernstein Group

 

 

Trabalhando na área dos serviços financeiros e digitais durante mais de vinte anos, Florian tornou-se um perito de referência no que respeita aos pagamentos. A APAJO falou com ele sobre as recentes iniciativas da UE, as oportunidades e desafios da era dos pagamentos digitais e se ainda compra ocasionalmente com dinheiro vivo.

 

APAJO: Florian, como alguém que segue as inovações do sector dos pagamentos há vários anos, qual a maior mudança que regista nos últimos dois a cinco anos?

 

Florian Lottmann: Tremendas mudanças foram impulsionadas pela tecnologia, pela regulação e pela mudança no comportamento dos consumidores. Alguns até poderão dizer que os clientes enfrentam mais mudanças do que as que pretendiam. A mais proeminente, – deixando de lado a cripto – continua, no entanto, a ser a entrada das grandes tecnológicas*, beneficiando de uma base de clientes alargada e do seu potencial para o lock-in das plataformas.

 

APAJO: Colocando de lado o facto de podermos pagar hoje na internet sem o envolvimento de um banco, p. ex. via carteiras digitais como o PayPal, quais são os desafios chave no que respeita aos pagamentos na internet?

 

Florian Lottmann: Se perguntar ao BCE ou à Comissão Europeia, ao Trésor ou ao Bundesbank, será a Soberania Europeia.
A Comissão está atualmente a redigir a Estratégia para os Pagamentos de Retalho, com publicação para final deste ano, visando uma solução de pagamentos pan-Europeia, e potencialmente para que os campeões de pagamentos à escala europeia se tornem globalmente competitivos. Isto é clara- e explicitamente um esforço politico e regulatório para reduzir a dependência de players globais como os esquemas de cartões internacionais, emissores de “moedas estáveis” globais e outras grandes tecnológicas.

 

APAJO: Que efeitos teve a pandemia nos pagamentos? Apenas que mais pessoas encomendam e pagam online devido às restrições?

 

Florian Lottmann: #fiqueemcasa teve certamente um imenso efeito. Os esquemas de cartões registam aumentos significativos nas transações de cartão-não-presente (CNP). Ao mesmo tempo, os regulamentos estão a ser aplicados de uma forma mais flexível nos pontos de venda, e é aí que a Covid atua como catalisadora para pagamentos contactless. Com cada vez menos lojas a aceitar cash, o seu uso diminui, e será interessante observar se essa tendência veio para ficar.

 

APAJO: Que efeitos teve a pandemia nos pagamentos? Apenas que mais pessoas encomendam e pagam online devido às restrições?

 

Florian Lottmann: Devo admitir que já nem uso uma carteira real física. Apenas um porta-cartões e algumas moedas nos bolsos para o café e pequenos gastos.

 

APAJO: Assistimos agora à transposição para a Lei nacional da 4º Diretiva de Combate ao Branqueamento de Capitais sendo logo seguida pela 5ª Diretiva e, agora, a CE discute a introdução de um regulamento em vez de uma diretiva. Como se justifica isto?

 

"O setor do jogo deve olhar atentamente para o Plano de Ação que acabou de ser publicado juntamente com a consulta às partes interessadas aberta até o final de julho e, é claro, para as propostas legislativas subsequentes esperadas no início de 2021."

 

Florian Lottmann: No verão passado, a Comissão publicou um relatório “sobre a avaliação de alegados casos recentes de branqueamento de capitais que envolvem instituições de crédito da UE”, um post-mortem dos muitos incidentes nos últimos anos. Pense por exemplo Danske Bank, ou Swedbank. O relatório encontrou deficiências significativas respeitando quer à implementação das regras pelas instituições quer a sua execução pelas entidades competentes. Isto levará a um “livro de regra única”, potencialmente mesmo um regulamento, e a uma Unidade de Intelligence Financeira da UE. O setor do jogo deve olhar atentamente para o Plano de Ação que acabou de ser publicado juntamente com a consulta às partes interessadas aberta até o final de julho e, é claro, para as propostas legislativas subsequentes esperadas no início de 2021.

 

"Veremos os reguladores reafirmarem o controle sobre o setor de pagamentos, o que pode significar uma abordagem menos global, muito mais focada na autonomia e, consequentemente, mais voltada para dentro."

 

APAJO: Uma última pergunta: Como será o mercado dos pagamentos online, digamos daqui a cinco ou dez anos? Qual a sua visão do futuro?

 

Florian Lottmann: Até onde vão as visões na política e na regulação, penso que veremos os reguladores reafirmarem o controle sobre o setor de pagamentos, o que pode significar uma abordagem menos global, mais focada na autonomia e, consequentemente, mais voltada para dentro. Ao mesmo tempo, os estados, ou antes as instituições da UE, irão eventualmente lançar as suas próprias moedas digitais, tendo sofrido o recente choque da Libra.

 

APAJO: Florian, foi um prazer falar consigo hoje. A transformação ocorre numa janela temporal tão curta que espero falar consigo em breve, de novo, sobre este interessantíssimo tópico.

 

Florian Lottmann: Obrigado Annie. Sempre ao dispor.

 

* Editor: FAAMG (Facebook, Amazon, Apple, Microsoft, Google)